Gênesis 24
O
capítulo 24 de Gênesis é do mais profundo interesse para o cristão, pois nele temos
um quadro divinamente dado sobre o que cada Pessoa na Divindade está empenhada
no momento.
A
ocupação com o serviço, a vigilância constante contra o inimigo, e o conflito pela
verdade – acarretada pela necessidade do mundo, pela crescente corrupção da Cristandade,
e pelo fracasso do povo de Deus – podem absorver tão completamente os nossos
pensamentos que de vez em quando podemos contemplar o que o Deus está fazendo
apesar de todo o poder do inimigo, corrupção, e fracasso. Por essa razão não é
de pequena misericórdia que Deus nos deu este belo quadro que apresenta uma
visão abrangente dos objetivos e das atividades das Pessoas Divinas. Assim,
perdendo de vista o homem e seu fracasso, a nossa alma podem se deleitar em
Deus e Seu propósito, e estar
acalmada
e quieta quando percebemos que o que o Deus propôs Ele muito certamente fará acontecer,
apesar do fracasso e da oposição.
Para
entrar inteligentemente no ensino típico desse capítulo devemos entender a conexão
dessa passagem com os capítulos precedentes e seguintes. Gênesis 24 faz parte
da última seção da história de Abraão, que começa em Gênesis 22 e termina em
Gênesis 25:10. A primeira parte da sua história ilustra a vida individual de
fé, mas nessa última seção temos uma visão abrangente dos caminhos
dispensacionais de Deus. Em Gênesis 22 Isaque é oferecido e recebido dos mortos
em figura – um tipo notável da morte e ressurreição de Cristo. Em seguida ao
oferecimento de Isaque, temos em Gênesis 23 a morte de Sara, e Abraão, um
“estrangeiro e peregrino” (verso 4) na terra prometida: tudo o que é típico da
separação, para o tempo por vir, de Israel como uma nação por causa da promessa,
como conseqüência da morte de Cristo. No chamamento de Rebeca, Gênesis 24, temos
tipicamente o chamamento da Igreja como a Noiva de Cristo durante o tempo em que
Israel é deixado de lado. Gênesis 25 completa o quadro apresentando o casamento
de Abraão, e os filhos desta segunda esposa, tipificando a restauração de
Israel e a bênção milenar das nações.
Confinando
os nossos pensamentos em Gênesis 24 temos a revelação em figura do grande
mistério de Cristo e a Igreja. Vemos nisso o propósito de Deus e a forma que
Ele usa para cumprir esse propósito.
Vamos,
contudo, ter em mente que ele é o propósito de Deus com relação à Igreja vista
como a Noiva de Cristo. Como vimos, esse aspecto da Igreja apresenta o
propósito de Deus de ter um objeto inteiramente ajustado para Cristo amar. Aqui
então em figura temos o chamamento da Noiva, o adornamento da Noiva e a
apresentação da Noiva ao Noivo em conformidade a Ele. A conformidade moral ao
coração de Cristo, e a resposta ao amor de Cristo, são os pensamentos
proeminente com relação à Igreja como a Noiva.
Vimos
que Eva, na criação, fala da Noiva de Cristo. Isaque e Rebeca, dezoito séculos
depois, novamente levantam a história de Cristo e a Sua Noiva. Há, contudo, uma
diferença, pois na Escritura não há nenhuma mera repetição; em Eva vemos a
noiva como sendo inteiramente o resultado de uma obra divina que a formou e a
trouxe a Adão: em Rebeca vemos o exercício do afeto na noiva – as despesas do
amor que são colocadas em prática pelo servo. Se Eva nos fala de uma obra
divina da noiva, Rebeca nos fala de uma obra divina na noiva.
O
capítulo abre com Abraão dando as suas diretrizes ao seu servo (versos 1-9). Então
a porção principal do capítulo está ocupada com o servo e a sua missão (versos
10-61). Finalmente encerra com Isaque e o seu amor por Rebeca (versos 62-67).
Assim no tipo temos na primeira seção o Pai e o Seu propósito; na segunda o
Espírito Santo e o Seu trabalho; e no último, Cristo e o Seu afeto. Por essa razão
em figura temos cada Pessoa Divina encarregada em assegurar a Noiva.
Um
Primeiro
aprendemos que o pensamento de uma noiva para Isaque se origina com Abraão. Ele
é que começa a história de Gênesis 24. Ele revela a sua mente quanto à noiva de
Isaque; instrui o seu servo, e o envia em seu caminho. Por essa razão
aprendemos que o pensado de uma Noiva para Cristo se origina no propósito do
coração do Pai. É, também, o Pai que envia o Espírito para trazer a Noiva para
Cristo (Jo 14: 26).
O
segundo verso traz para diante de nós aquele cujas atividades são a parte proeminente
na história – “o servo mais velho” da casa de Abraão. Muito convenientemente o
seu nome não é mencionado, pois não é ele um tipo do Espírito Santo que veio,
não para falar Dele mesmo, mas, para tomar das coisas de Cristo e mostrá-las a nós.
As
atividades do Espírito Santo neste mundo são muitas e variadas, mas neste capítulo
o Espírito Santo é apresentado em figura como trazendo a Noiva à luz, despertando
as afeições na Noiva pela revelação das glorias de Cristo, e então satisfazendo
aquelas afeições a conduz a Cristo.
Muito
significantes são as orientações que o servo recebe de Abraão e rico em instruções
para as nossas almas.
1º A noiva de Isaque deve ser
adequada a Isaque e por isso não tomada das filhas dos cananeus (verso 3). As
tais estavam entregues ao juízo e por isso completamente inadequadas para
Isaque. Isto mostraria que o tratamento com Rebeca não é exatamente um figura
da graça de Deus que traz a salvação aos pecadores, mas mais do amor de Cristo
que atrai os santos. Se fosse uma questão de expor a graça de Deus que alcança
os mais vis pecadores então seguramente as filhas dos cananeus teriam sido as
pessoas a quem o servo teria sido enviado como na história do Evangelho, na
qual Deus toma de uma mulher cananéia – filha de Canaã – para mostrar a Sua
graça.
2º Resulta que se a noiva deve ser
adequada para Isaque ela deve ser da parentela de Isaque. Por isso a orientação
ao servo é: “Irás à minha terra e à minha parentela, e daí tomarás mulher para
meu filho Isaque” (verso 4). Já notamos que a única que era adequada para ser a
noiva de Adão teve de ser a “sua semelhança”, e para obter uma a “sua
semelhança” Adão teve de passar pelo “sono profundo”. Isaque, também, precisa
em tipo passar pela morte – deve ser oferecido sobre o Monte Moriá – antes que
possa assegurar uma noiva da Mesopotâmia. Assim Cristo, o grande Anti-tipo, o
grão precioso de trigo, deve cair na terra e morrer ou para sempre permanecer
sozinho. Quando a Sua
alma
é feita uma oferta pelo pecado então lemos: “Ele verá a sua semente”. A morte
que separa um homem de toda a esperança de uma semente, torna-se o próprio
caminho pelo qual Cristo assegura a Sua semente. E a Sua semente é a Sua
semelhança, a Sua parenta, como é Aquele celestial assim também são aqueles
celestiais. Assim vemos que a Noiva de Cristo é composta daqueles que são
adequados em origem através de uma obra divina por eles, e são em relação a
Cristo como a Sua parentela pela obra divina neles, produzindo fé em Cristo. Na
terra o Senhor pode dizer: “Minha mãe, e os meus irmãos são aqueles que ouvem a
palavra de Deus e as executam” (Lc 8: 21).
3º Abraão solenemente avisa o servo
duas vezes de que ele não deve levar Isaque novamente à Mesopotâmia (versos 6 e
8). Isaque neste capítulo expõem o Cristo celeste e por essa razão depois do
oferecimento de Isaque em Gênesis 22, o seu nome não é nem mesmo mencionado até
o fim de Gênesis 24. Como Isaque não devia ser novamente ligado à Mesopotâmia,
assim não deve haver nenhuma conexão de Cristo e o mundo enquanto Cristo está
no alto e o Espírito Santo está aqui chamando a Noiva para o Cristo celestial. Ai!
Tão completamente a cristandade perdeu todos os pensamentos verdadeiros do cristianismo
que o seu o grande esforço é para ligar Cristo com o mundo que O expulsou. Ignorando
o fato de que Cristo é a Pedra rejeitada pelos construtores deste mundo,
procuram
fazer de Cristo a principal pedra de esquina, como o foi, dos seus grandes sistemas
religiosos terrenos. O Seu Nome é fixado em seus grandes edifícios religiosos, seus
esquemas de reforma, seus trabalhos de filantropia, e suas formas de governo.
Numa palavra o grande esforço é de trazer Cristo de volta ao mundo e ligar O
seu Nome a homens não salvos e não convertidos do mundo com a esperança de
reformar homens, e fazer o mundo no qual vivem um lugar mais brilhante e
melhor. É impossível conceber algo mais característico da ingenuidade do diabo
do que a tentativa do mundo de cobrir a sua maldade com um aspecto atraente de
respeitabilidade, ligando a si mesmo o Nome Daquele que ele rejeitou e cravou
na cruz.
Contudo
o crente instruído sabe pelo ensino do Novo Testamento, bem como dos tipos do
Velho Testamento, que o Espírito Santo está aqui, não para trazer Cristo de
volta ao mundo, mas para tomar a Noiva para fora do mundo para Cristo. Por isso
lemos: “Deus visitou os gentios, para tomar deles um povo para o Seu nome” (At
15: 14).
4º Finalmente Abraão diz: “O
Senhor, Deus dos céus... enviará o seu anjo adiante da tua face” (verso 7). O
anjo poderia providencialmente limpar o caminho diante do servo, mas o servo
devia tratar pessoalmente com a Noiva: “Tu tomarás uma esposa para meu filho”.
Tanto o servo como o anjo estavam inteiramente ocupados em assegurar uma noiva para
Isaque. Em um dia por vir sabemos que uma grande parte dos anjos será usada na
execução do julgamento do mundo, mas hoje eles são “enviados para ministrar
para aqueles que serão herdeiros da salvação”. Assim como na figura, assim
também no fato, vemos a diferença mantida entre a obra providencial dos anjos e
a obra pessoal do
Espírito.
O anjo do Senhor guia Filipe em seu caminho no deserto de Gaza, mas o Espírito guia
Filipe em seu tratamento pessoal com o Eunuco (At 8: 26, 29).
Claramente
então nas orientações dadas por Abraão ao seu servo, aprendemos a grande missão
do Espírito Santo neste mundo. Ele não está aqui para fazer o cristão prosperar
nos negócios, ou nos fazer homens ricos neste mundo, ou fazer o mundo um lugar
confortável para nós. Ele não está aqui para remover a maldição, ou o gemido silencioso
da criação. Ele não está aqui para fazer o deserto se alegrar e florescer como uma
rosa. Ele não está aqui para remover a dor, a morte, a tristeza e as lágrimas.
Tudo isso Cristo fará em um dia ainda por vir. Nem Ele está aqui para converter
o mundo como alguns pensam. Ele está aqui para trazer à luz um povo que é
adequado a Cristo para a alegria e a satisfação do Seu coração.
Por
essa razão conforme essas instruções encontramos que no decorrer da história o
servo não interfere nas condições que prevaleceriam na Mesopotâmia. Ele não
tentou alterar a sua religião, ou melhorar as suas condições sociais, ou
interferir em seu governo. Seu único negócio foi assegurar a noiva de Isaque.
De quanta decepção o povo de Deus escaparia se de uma vez percebesse o grande
propósito de Deus no tempo presente, e a missão especial do Espírito Santo
neste mundo.
Os
crentes ficam muitas vezes desapontados com eles mesmos. Desejando fazer alguma
grande obra para o Senhor, descobrem que são deixados para fazer alguma obra tranqüila
em um canto escondido, e ficam desapontados. Além disso, podem ficar tristemente
desapontados com a companhia local dos santos com quem caminham. Eles esperavam
que Deus convertesse um grande número e conduzisse a sua pequena companhia à
proeminência como um centro de bênçãos com a aprovação pública do
Senhor
e pelo contrário encontram a fraqueza e o fracasso, e ficam desapontados. Por outro
lado podemos ficar desapontados com o povo de Deus em geral. Talvez tenhamos visões
de conseguir reunir os fragmentos espalhados do povo de Deus para andar em unidade
e amor, e observamos que encontramos apenas discórdia e mais desintegração e ficamos
desapontados.
Ademais
o povo de Deus pode nutrir grandes esperanças do campo missionário. Com
milhares de missionários que trabalham em todas as partes do mundo esperavam que
as fortalezas do paganismo, budismo e maometismo fossem avariadas diante da luz
da cristandade, e, contudo, descobrem que esses falsos sistemas são
dificilmente tocados, e ficam desapontados.
Outros,
porém, nutrem o pensamento de que depois de dezenove séculos de luz da
cristandade o mundo seria moralmente melhor, e ao em vez disso têm de admitir
que nunca a sociedade foi mais corrupta, com a ilegalmente tão prevalecente e
desassossegada de uma maneira geral, por essa razão ficam desapontados.
Se,
contudo, abandonarmos os nossos próprios pensamentos e promovermos os pensamentos
de Deus não seremos desapontados. As nossas expectativas são muitas vezes muito
limitadas, a nossa perspectiva muito circunscrita. Pensamos no momento presente
e olhamos apenas para coisas visíveis. Vamos, contudo, “olhar além da longa
noite escura e saudar o dia vindouro”. Vamos ver que grande fim Deus está
operando, para que, independente da destruição e ruína deste mundo, Ele
assegure uma Noiva que será adequada para o amor de Cristo. Que pensamento, de
que o Espírito de Deus está aqui para formar afetos de casamento no coração dos
crentes com vistas ao dia – o grande dia – o dia das bodas do Cordeiro!
Para
esse fim o Pai enviou o Espírito. Para esse fim o Espírito está operando na terra.
Por esse fim Cristo está esperando no céu. E o Pai, o Filho e o Espírito Santo
falharão nesse grande fim? As Pessoas Divinas serão desapontadas? Impossível!
Todo o propósito de Deus terá o seu glorioso cumprimento. Nem seremos
desapontados se pensarmos os pensamentos de Deus com Deus, e mantivermos em
vista o grande propósito de Deus – as bodas do Cordeiro.
Dois
Passando
para a segunda seção do capítulo (versos 10-61), temos a profundamente
instrutiva consideração da forma com que o servo executa a sua missão. Ele vai
à Mesopotâmia, bem equipado para o seu serviço: “Toda a fazenda de seu senhor estava
em sua mão” (verso 10), nos relembrando de que o Espírito Santo veio para nos ensinar
“todas as coisas”, nos guiar “em toda a verdade”, e nos mostrar “todas as
coisas que o Pai tem”.
Chegado
a Mesopotâmia o servo executa a sua missão na dependência de Deus, e aqui é
encontrado em oração. A sua oração mostra quão completamente está absorto com um
objeto. Ele não ora por si mesmo; e embora mencione “as filhas dos homens da cidade”,
contudo, não ora por elas. Ele ora para que possa ser conduzido àquela que é designada
a Isaque. É bom notar que o servo não está ali para selecionar uma noiva dentre
as filhas dos homens da cidade, e então torná-la apropriada para Isaque. Ele
está ali para encontrar aquela que é designada a Isaque. E o sinal de que é a
indicada será o de que está marcada pela graça. Essa seguramente é a força da
oração: “Seja, pois, que a donzela, a quem eu disser: Abaixa agora o seu
cântaro para que eu beba; e ela disser: Bebe, e também darei de beber aos teus
camelos; esta seja a quem designaste ao teu servo Isaque” (verso 14). Ele
pedirá que lhe seja permitido beber do seu cântaro, e se ela não apenas
concederá o seu pedido, mas voluntariamente fará mais do que ele pede, será o
sinal de que ela é caracterizada pela graça de Deus – que há uma obra de Deus
nela, e que ela é assim da parentela de Isaque. Pois a graça vai além dos
nossos pedidos (Mt 5: 38-42).
Assim
aconteceu. Rebeca – aquela que é da parentela de Isaque – é trazida à luz. Tendo
encontrado a noiva designada, o servo imediatamente a distingue de todas as outras
a adornando com os brincos e os braceletes de ouro. A mão e o rosto testemunham
a obra da graça (verso 22).
Três
Esse,
contudo, é só o começo do trabalho do servo. Nenhuma palavra ainda foi proferida
acerca de Isaque. Essas novas comunicações dependem das boas-vindas que são estendidas
ao servo. Se derem a ele as boas-vindas, lhes falará de Isaque, mas ele não forçará
a sua hospedagem sobre Rebeca: “Há também em casa de teu pai lugar para nós pousarmos?”
(verso 23).
Muito
abençoadamente a resposta de Rebeca, mais uma vez, excede o pedido do servo.
Ele só pede “lugar”; ela diz que há provisão bem como lugar (verso 25). Labão também
pode dizer ao servo: “Entra, bendito do Senhor, porque estarás fora?” (verso
31). Assim lemos: “Então veio aquele
varão à casa” (verso 32). Não discernimos nesta parte da história o segredo do
nosso pequeno progresso no conhecimento de Cristo, e por que os nossos afetos
são muitas vezes frios? Impedimos e afligimos Aquele que sozinho pode
poderosamente afetar o nosso coração com o amor de Cristo. Uma Pessoa Divina –
o Consolador – veio do Pai, de Cristo, do céu, mas damos a Ele as boas-vindas?
Damos “lugar” para Ele?
É
bom fazermos a nós mesmos essa grande pergunta: “Há lugar?” Estamos preparados
para nos colocar de lado para dar lugar ao Espírito Santo? A carne e o Espírito
“são contrários um ao outro” (Gl 5:17). Não podemos nutrir o Espírito se
servimos à carne. Dar lugar ao Espírito, e estar cuidando das coisas da carne é
impossível. Estamos preparados para recusar a indulgência da carne nas coisas
passageiras e temporais, para dar lugar ao Espírito para nos conduzir às coisas
profundas e eternas de Deus? Estamos fazendo provisão para a carne para cumprir
as suas luxúrias, ou estamos nós dando lugar e provisão ao Espírito? “Lugar” e
“provisão” foram dados na casa de Betuel para o servo
de
Abraão, com a conseqüência de que o servo fosse capaz de falar de Isaque, para comprometer
os afetos de Rebeca com Isaque, e conduzi-la a Isaque.
Tendo
entrado na casa (verso 32), a primeira coisa que o servo faz é testemunhar de
Isaque. Ele revela a mente do seu mestre acerca de Isaque, e em assim fazendo
toma das coisas de Isaque e as mostra a Rebeca. Ele fala de toda a prosperidade
do seu mestre, e logo diz que toda esta prosperidade foi dada a Isaque: “E ele
deu-lhe tudo quanto tem” (verso 36). E bem sabemos que todas as coisas do Pai
foram dadas a Cristo, como o Senhor pode dizer: “Tudo quanto o Pai tem é meu” e
logo, falando do Espírito Santo, pode acrescentar, “por isso vos disse que há
de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16: 15).
Qual,
podemos perguntar, deve ter sido o efeito sobre Rebeca ao ouvir esse testemunho
de Isaque? Ela simplesmente aumentou o seu conhecimento de Isaque? Esse certamente
foi um resultado, mas seguramente fez mais, muito mais, pois isso despertou o amor
por Isaque. E o amor tendo sido despertado, o servo apresenta as jóias de
prata, e jóias de ouro, e vestidos, e os dá a Rebeca. Ele a adorna com as belas
coisas que vieram de Isaque. Assim também o Espírito trataria conosco. Ele nos
revela a mente do Pai acerca de Cristo: Ele toma das coisas de Cristo e as
mostra a nós. Assim Ele desperta o amor a Cristo, e então nos adorna com as
belas coisas de Cristo. Ele nos torna testemunhas do amor redentor – as jóias
de prata; testemunhas da justiça divina – o ouro; e testemunhas da santificação
prática – os vestidos.
Quatro
Ali
segue, em figura, uma nova ação do Espírito. O servo encontrou a noiva da parentela
de Isaque; a distinguiu de todos os outros com os brincos e o bracelete; despertou
o afeto por Isaque; a adornou com as belas coisas de Isaque, agora a conduzirá
a Isaque (versos 54-60).
O
servo diz: “Deixai-me ir ao meu Senhor”. Ele tinha vindo à Mesopotâmia para assegurar
a noiva, e tendo cumprido aquela finalidade, satisfeito iria embora. Ele não
tinha vindo para ficar na Mesopotâmia. A mente do servo estava em assegurar a
noiva, deixar a cena, e regressar para o seu mestre. Não estava em assegurar a
noiva e ajustá-la no velho lar, mas assegurar a noiva e conduzi-la a um novo
lar. E muito abençoadamente ele molda a mesma mente em Rebeca. Ele anseia estar
longe e alcançar Isaque, e cria os mesmos desejos no coração de Rebeca. Ele
deseja ir-se, e ela é motivada a ir-se. Os seus parentes podem entender que o
servo iria embora para o seu mestre, mas se satisfariam em reter Rebeca algum
tempo – pelo menos dez dias. Por isso chamam à donzela e indagam de sua boca,
apenas para descobrir quão bem a obra do servo tinha sido realizada, e que a
mente dele tinha sido moldada na mente dela, para que se ele desejasse estaria
pronta para ir.
Se
permitirmos que o Espírito Santo tenha a Sua forma – se não o impedirmos – Ele
moldará a nossa mente segundo a Sua mente. Para pensar como Ele pensa em
Cristo; para desembaraçar o nosso coração das coisas onde Cristo não está os
colocando em Cristo onde Ele está.
Rebeca
não era uma órfã sem dinheiro; tinha de fato um pai e uma mãe, uma casa na
Mesopotâmia com perspectivas de prosperidade e posses em sua terra natal. Para
gozar de todas essas bênçãos ela não teria nenhuma necessidade de deixar a sua
terra natal e enfrentar uma jornada pelo deserto. Sem embargo deixa tudo. Ela
se esquece de seu próprio povo e da casa de seu pai, e encara uma viagem pelo
deserto para alcançar uma pessoa que nunca viu. Tal é o poder atrativo para uma
pessoa quando a fé e a afeição daquela pessoa foram despertadas.
Da
mesma maneira o Espírito Santo veio para conduzir o nosso coração sob a influência
constrangedora do amor de Cristo. Ele está aqui para tomar das coisas de Cristo
e mostrá-las para nós. Ele está aqui para nos conduzir às coisas profundas de
Deus – coisas que “o olho não viu, o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração
do homem” (1 Co 2:9). Ele é hábil para nos fortalecer assim no homem interior,
“Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando
arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os
santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e
conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento” (Ef 2:17-18).
Tudo
isso Ele está apto e pronto para fazer. Como é então que somos tão pouco ligados
em afeto a Cristo, e apartados das coisas daqui? Não é por que impedimos? Por essa
razão é que a palavra do servo: “Não me impeçam”, deveria ser uma voz poderosa para
nós. Podemos dizer que não podemos desfrutar dessas coisas à parte da obra do Espírito
e não podemos fazer a obra do Espírito. Isso pode ser verdade; mas aí podemos impedir
o Espírito de operar. Podemos nos apegar ao mundo, à política do mundo, à religião
do mundo, aos prazeres do mundo, e podemos até ficar tão absortos com as coisas
certas – o país, a família, e a casa do pai – que impedimos o Espírito Santo.
Se
permitimos ao mundo nos impedir, ou não, não depende do mundo, mas de nós. O
irmão e a mãe podem procurar deter Rebeca. Isso eles admitem, pois dizem: “chamemos
a donzela e perguntemos-lho” (verso 57). Se como Rebeca a nossa resposta for “irei”
então de fato o Espírito tão poderosamente afetará o nosso coração, que todo o poder
e atração do mundo serão incapazes de nos deter.
Assim
aconteceu que: “Rebeca se levantou... e seguiu o varão” (verso 61). Ela se colocou
inteiramente sob a orientação do varão, como resultado “tomou aquele servo a Rebeca
e partiu”. Não o caminho dela, mas o seu caminho. Não estamos sempre preparados
para o caminho do Espírito. Ele é um caminho que vai completamente contra a vontade
da carne. Além disso, fazemos bem em nos lembrar que seguir a liderança do Espírito
não significa seguir alguma “luz interior”. Se seguirmos o Espírito andaremos segundo
a Palavra. O Espírito não nos conduz à parte da Palavra nem ao contrário da Palavra.
O
resultado imediato de seguir ao varão foi que Rebeca se encontrou em uma cena
no deserto. Ela não tinha nem a casa de Labão nem a casa de Isaque. Assim é conosco,
como alguém disse: “Não temos nem a terra na qual estamos, nem o céu para o qual
estamos indo”. Contudo, enquanto ela viajava a jornada pelo deserto de
seiscentos quilômetros teve uma perspectiva brilhante diante dela, e no caminho
teve o servo para falar das coisas de Isaque e mostrá-las a ela. No final a
pessoa que tinha ganhado o seu coração esperava para recebê-la.
Cinco
No
fechamento dessa bela história Isaque pessoalmente é visto. Em todas essas cenas
do deserto Isaque não tomou parte ativa, embora estivesse bastante atento a
tudo o que estava acontecendo. Ele vinha do poço de Laai-Roi – uma palavra de
significação profunda, pois significa: “O poço Daquele que vive e vê” (Gn 16:14).
Quão bom sabermos quando viajamos em nosso caminho, que no fim da jornada
encontraremos Aquele que não foi negligente pelo Seu povo. Ele vê e vive, sim a
palavra é: “Ele vive para sempre” (Hb 7:25).
Mas
mais adiante Isaque veio para encontrar Rebeca, pois ela pergunta: “Quem é aquele
varão no campo que vem nos encontrar?” Viajamos para o grande encontro, mas não
nos esqueçamos que Ele está vindo para nos encontrar. A figura apresenta Isaque
como alguém que estava esperando e querendo a sua noiva. Os nossos desejos por
Cristo muitas vezes podem ser fracos, mas os Seus anseios são em direção da Sua
Noiva. Ele pode dizer: “E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez,
e vos levarei para mim mesmo” (Jo 14:3).
E
o tempo do encontro não está muito longe. Quando finalmente Rebeca levanta os
seus olhos e vê Isaque, desmonta do camelo, pois a viagem acabou; e quando finalmente
O vemos face a face, a nossa viagem termina. E não será longa, a noite é passada,
o dia está à mão. Quando chegar o momento do nosso traslado não demorará muito
tempo; só um piscar de olhos e estaremos lá.
Depois
do encontro Rebeca tomou um véu e se cobriu. A noiva se apronta e o casamento
tem lugar, pois “Isaque tomou Rebeca... e foi-lhe ela por mulher e amou-a” (verso
67). Assim também depois que a nossa viagem pelo deserto está acabada, depois
do grande encontro, quando pela primeira vez O vemos face a face – quando Ele
nos recebe para Ele mesmo – então lemos: “Vindas são as bodas do Cordeiro, e já
a sua esposa se aprontou” (Ap 19:7). A Igreja será apresentada a Cristo toda
gloriosa sem mancha ou ruga, ou qualquer outra coisa – “Santa e sem mancha.”
Então de fato será manifesto que Cristo achou um objeto ajustado ao Seu amor, e
responsivo ao Seu amor, e estará satisfeito. Ele olhará para a Sua Noiva e
dirá: “Estou satisfeito”. “Ele verá o fruto do trabalho árduo da Sua alma e
estará satisfeito”.
Quando
esta gloriosa perspectiva se abre diante da nossa visão, como todo o brilho
deste mundo se torna escuro; como são enfadonhas as suas mais formosas perspectivas,
como são pobres as suas riquezas. Quão vão os seus prazeres passageiros, e quão
vazias as suas honras à luz dessas glórias vindouras.
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